Por: Anna Paula Gonçalves
De sonhadora estrangeira a profissional global: o que é necessário para fazer essa transição?
Conheça a atriz, ativista e cineasta brasileira Luciana Faulhaber, uma pessoa que inspirará você a sair em busca do que desperta suas paixões, mesmo que isso signifique mudar-se para morar sozinho em outro país. O que, no caso de Luciana, foi só o início da história.
Uma garotinha criada no Brasil, seu país natal, que deixou de lado seu sonho de um dia se tornar atriz, só para redescobrir o mesmo sonho, já adulta, em um outro país, Luciana embarcou em uma jornada e tanto. Ela ganhou uma bolsa de estudos, recebeu um diploma summa cum laude como Bacharel em Ciências da Universidade de Fordham, foi aceita logo em seguida na Pós-Graduação da Escola de Ciências Políticas e Relações Internacionais da Universidade de Columbia e hoje é membro da SAG-AFTRA.
Atriz atuante, residente em Los Angeles, contracenou com nomes importantes, como Robert Downey Jr., Sir Ben Kingsley, Jennifer Lopez, Ted Danson e Justin Chambers, só para citar alguns. Chegou até a produzir e dirigir alguns dos seus próprios projetos, pura e simplesmente por amor à arte. E, ainda assim, conhecer melhor Luciana – envolver-se com seu intelecto e testemunhar sua serenidade – é o que mais impressiona em relação a ela.
Durante nossa entrevista, perguntei-lhe sobre suas experiências culturais e de vida e os demais aspectos relacionados. E ficou muito mais claro que foi sua jornada como um todo que a preparou para fazer o que ela faz, de uma maneira que só ela pode fazer.
Anna: Você pode falar sobre a mudança e a experiência de viver e estudar em outro país? Houve alguma experiência/choque cultural?
Luciana: Mudar para outra cidade, para outro país, onde a língua, os valores e as normas sociais são diferentes foi um desafio. O mais difícil foi meu primeiro ano de faculdade. Academicamente, eu era uma das melhores da turma, mas levei algum tempo para aprender as normas culturais. Lembro-me de garotas que apareciam na aula de pijama, comiam com as mãos e que a distância física de casa me incomodava. Vinda de um país latino-americano, fui criada com um determinado nível de formalidade que não se aplicava mais – e, ainda assim, ao mesmo tempo, culturalmente, tendemos a ser muito físicos, expressivos e amistosos. Tive que aprender o que é a “bolha pessoal” e que as expressões de afeto eram reservadas apenas a amigos íntimos e familiares. Na faculdade também foi a primeira vez em que eu me conscientizei de que era uma pessoa “de cor”. No Brasil, somos todos mestiços; lembro-me de que, no ano em que me mudei, o censo tinha 585 diferentes autodeclarações raciais ou algo assim. Todos éramos diferentes e iguais ao mesmo tempo. Agora, eu era morena e estrangeira. Para a cultura dominante, era latina; para a comunidade latina, não era “latina o suficiente”. Na verdade, fui expulsa do grupo “Latinas Unidas” porque disseram que o Brasil não era “latino o suficiente”, embora seja o maior país da América Latina. Uma amiga minha, que mais tarde se tornou advogada, me defendeu, dizendo que, se eu não fosse latina, ela também não era, porque era porto-riquenha. E nós duas fomos expulsas. Retrospectivamente, isso de fato resume o que significa ser expatriado: você aprende a assimilar novas culturas, mas, ao longo do processo, sente que não pertence a lugar nenhum. Você se torna uma criatura verdadeiramente global e começa a viver segundo sua própria noção de certo e errado, em vez das expectativas culturais.
Hoje, como uma pessoa, digamos, “americanizada” – e com base em sua experiência ao chegar aos Estados Unidos –, como você diria que sua decisão de estudar ciências políticas ajudou a definir o que você defende hoje, o modo como você utiliza sua plataforma e, talvez, até como interage com os outros globalmente?
Para meus pais, a coisa mais importante era a educação. Independentemente de onde a vida nos levava, ambos asseguravam que tivéssemos a melhor educação possível e a educação foi de fato o que mudou nossas vidas. Se não fosse pela educação que eles se esforçaram tanto para me dar, eu não teria conseguido aquela bolsa de estudos e não estaria aqui hoje. Então, acredito muito no poder transformador da educação, pois sou um ótimo exemplo disso. Queria entrar na política para ajudar a implementar programas educacionais em países em desenvolvimento, para possibilitar o crescimento, a paz e a mudança social. Embora tenha adorado o período que passei na Universidade de Columbia com colegas com a mesma mentalidade que eu, conheci rapidamente a burocracia do mundo e aprendi que muito poucas mudanças realmente são realizadas em um nível político. Naquele mesmo ano, Brad e Angelina adotaram outra criança e as taxas de adoção nos EUA aumentaram em 20%. Isso para mostrar que o exemplo é a principal ação que promove as mudanças. Liderar pelo exemplo. Foi assim que entrei no mundo real e continuo a pôr a mão na massa com organizações que defendem a mudança, como a ACLU e o Times Up Now.
Com esta mesma paixão que a levou a estudar ciências políticas e defender a educação, mudar de percurso profissional não deve ter sido fácil. Por isso, eu gostaria de saber como esse período de desafios, durante sua mudança de carreira, serviu para uma finalidade maior na sua vida? Qual foi a maior lição que você aprendeu e que ainda traz consigo?
Acho que ainda devo aprender minha maior lição. Mas o que aprendi até agora é que nenhum tempo ou nenhuma distância pode separar você da sua família e que a família não é necessariamente o grupo de pessoas no qual você nasceu. Também aprendi que a moeda mais preciosa da vida é o tempo e não o dinheiro. Nunca podemos ganhar mais tempo e nunca sabemos quanto tempo ainda nos resta. Tento usá-lo com sabedoria.
Família. Vamos mergulhar mais fundo na sua criação. Você contou em uma entrevista para um programa de TV brasileiro que achava que ser atriz não era algo “sério o bastante” para alguém que cresceu na família em que você cresceu. Por isso, continuou se qualificando na pós-graduação em Política Internacional da Universidade de Columbia. Você pode contar mais sobre sua dinâmica familiar e qual foi o papel que a projeção da sua família exerceu no seu processo de tomada de decisão?
Aos cinco anos de idade, disse ao meu pai que queria ser atriz. Ele respondeu que subir em um palco não era adequado para uma moça. Exceto para as bailarinas clássicas. Assim, aos seis anos, comecei a fazer balé clássico. Três anos depois, meu pai faleceu e minha mãe me disse que eu poderia abandonar o balé, se quisesse. Foi assim que minha carreira de bailarina chegou ao fim. Hoje, dou risada dessa história, mas ela é um ótimo exemplo de como a cultura latino-americana podia ser sexista e patriarcal. Tive a sorte de minha mãe ser uma rebelde (a maçã não cai longe da árvore, como diz o ditado) e de ela ter decidido não ter outro relacionamento tradicional. Em vez disso, dedicava todo o seu tempo e seus recursos trabalhando para nos dar todas as oportunidades que quiséssemos aproveitar. Minha mãe sacrificou a vida para nos dar a liberdade de ser o que quiséssemos e nos repetia isso constantemente. Ela costumava dizer que estava “criando a gente para o mundo” e foi isso que ela realmente fez. Hoje, sou eu que tenho que lembrá-la disso.
Como brasileira, também sei o quanto nossa cultura pode, de certo modo, ditar o que “se espera” de nós mulheres ao atingirmos uma determinada idade. Além do ideal cultural que seu pai lhe impôs, você diria que a cultura brasileira como um todo é algo contra o qual você lutou ou que tentou evitar, uma vez que é tão independente e voltada para a carreira?
Ser mulher neste mundo moderno é difícil. É uma dicotomia constante entre as velhas e as novas expectativas. Tendo crescido em um país tradicionalista, eu desejava a ideia que me tinha sido vendida: família, marido e filhos. Mas, como fui educada por uma mãe rebelde que queria que eu fosse totalmente independente, eu também desejava uma carreira. Este é um dilema que a maioria das mulheres tem que enfrentar. No entanto, quanto mais o tempo passa, mais eu vejo que não tenho que escolher entre um e outro. É realmente uma questão de encontrar um companheiro que também queira essas coisas e que seja aberto ao verdadeiro companheirismo. Infelizmente, romper os ciclos culturais exige trabalho e conscientização. É incrível como caímos tão facilmente em padrões observados, mesmo quando buscamos a mudança. Ouço muitas amigas dizerem que queriam ser mães diferentes, mas se surpreendem com o quanto se parecem com as próprias mães. Os padrões aprendidos são poderosos e é por isso que uma educação realmente baseada no pensamento crítico é tão importante.
Você sente a necessidade de se adaptar a diferentes culturas quando está trabalhando no set – seja adequando seu comportamento à norma cultural do país onde você se encontra, seja entendendo a norma cultural de outro país, para não ter expectativas irreais sobre como as pessoas “deveriam” interagir ou falar com você?
Absolutamente. Mas isso é verdade não só localmente, mas também globalmente. Tudo tem sua cultura única: um set novo, um novo escritório, um novo grupo de amigos, uma nova cidade. Onde quer que vá, você realmente tem que “entender o lugar”, se quiser ter sucesso e fazer amizades. Como atriz, sinto que levo vantagem nisso, porque parte do meu trabalho é observar e ouvir. Na minha opinião, esse também é o segredo para a maioria das coisas na vida.
Com relação à atmosfera do local de trabalho nos EUA e em outros lugares do mundo, quais são as diferenças culturais? Existe algo que você gostaria que o Brasil aprendesse com outros países?
Só trabalhei em dois países culturalmente muito diferentes entre si. Mas, observando países como o Canadá e até a maioria dos países europeus, existe um compromisso com a qualidade de vida, que é algo que está faltando nos EUA e na América Latina. Esta cultura de que “não é o suficiente” nos leva a horas de trabalho sem fim. Todos temos a responsabilidade de trabalhar para mudar isso.
Agora há pouco, você mencionou que “o tempo é uma moeda”. Eu gostaria de mudar o foco e falar sobre o tempo que você passou viajando a trabalho ou a lazer. Você diria que as experiências são exatamente como você pensava que seriam? Qual é a diferença? Do que você gosta? E do que você não gosta?
O que mais gosto em viajar tanto é ouvir as pessoas. É maravilhoso que tipo de informação as pessoas compartilham voluntariamente, se você quiser ouvir. Como sou uma mulher acessível (geralmente com um lindo cachorrinho!), as pessoas tendem a se sentar do meu lado e começar a conversar, em aeroportos, bares, eventos… Um dos melhores conselhos que já recebi foi de uma mulher que conheci na área para cães da Tompkins Square, em Nova York. Ela me disse: “Quando se sentir desconfortável em algum lugar, talvez porque esteja sozinha ou não saiba o que fazer, basta sorrir. Sorria para todo mundo e as pessoas acabam vindo falar com você.” E continuou: “As pessoas querem conversar com a pessoa feliz do local.”
Não me lembro do nome dela, mas nunca esqueci seu conselho, que eu uso o tempo todo. Acontece que o sorriso, assim como as lágrimas, é uma linguagem universal que todos nós entendemos. Agora, em qualquer lugar, eu também me vejo sempre procurando as pessoas felizes. Pode parecer clichê, mas é verdade: você nunca está bem vestida sem um sorriso.
Uma estranha lhe deu um conselho que, agora, você traz sempre consigo. Talvez você consiga se lembrar de algo que tenha sido inspirador? Algo que você ouviu, viu ou viveu durante suas viagens e que vale a pena carregar consigo – profissionalmente, pessoalmente ou em ambos os aspectos?
Satisfação. Uma vez, passei um mês em Bali fazendo trabalhos de criação e a palavra “satisfação” vivia aparecendo. Na época, eu achava que “satisfação” não era o bastante. Eu queria euforia, entusiasmo e felicidade. Passei esse período ouvindo e conversando com as pessoas do lugar – que são algumas das pessoas mais maravilhosas que já conheci até hoje – e elas tinham tão pouco, mas pareciam tão… satisfeitas. Só alguns anos depois entendi que, sem satisfação, você não tem mais nada. Não existe felicidade sem satisfação consigo mesmo e com sua vida. A aceitação é muito poderosa. Anos depois, ainda vejo a palavra “satisfação” onde quer que eu vá e isso me faz sorrir. É um esforço diário.
Hoje, você provou que uma menina de um país de terceiro mundo pode dar um salto para outro país, mudar seus “planos originais”, abrir seu próprio caminho – indo contra as expectativas culturais – e obter sucesso em sua busca. O que faz você continuar seguindo em frente em uma indústria onde há tanta incerteza?
O amor. O amor pelo que faço e pelas pessoas da minha vida. Quando as coisas ficam realmente difíceis, penso se existe outra coisa que eu gostaria de fazer nesta vida. E a resposta é sempre não. Então, penso em todas as pessoas, naquelas que conheço e daquelas de quem nunca ouvi falar e seus esforços para me ajudar em minha busca. É incrível quanta diferença os pequenos gestos podem fazer. Peço a todas as pessoas que lerem este artigo que pensem nisso. Quando você está sozinho em um país estrangeiro, sem um porto seguro, longe da família e das pessoas que o conhecem, cada apoio, por menor que seja, conta. Li uma coisa recentemente que dizia que, todas as vezes que pensa em desistir, você ofende todas as pessoas que se esforçaram muito para que você chegasse aonde chegou. Realmente me identifico com isso.
É admirável ver seu amor pelo que faz e seu compromisso em usar sua plataforma para levantar a voz contra as injustiças. Com que ações de ativismo você está envolvida neste momento? E como as pessoas podem se envolver?
Obrigada por dizer isso, mas sinto que sou apenas uma pequena parte de algo muito grande. Meu objetivo na vida é liderar pelo exemplo, de forma que, se o compartilhamento de minhas experiências puder ajudar, pelo menos, uma única pessoa que estiver na batalha, terei cumprido o objetivo que defini, ainda que seja difícil sentir-se assim tão vulnerável e exposta.
Cresci ouvindo minha mãe falar sempre de gente que fazia “caridade”, mas que não ajudava as pessoas ao seu redor. Ela sempre se esforçou para ajudar as pessoas mais próximas a ter uma vida melhor. Tenho outras mulheres fantásticas ao meu redor e, juntas, encontramos alternativas de suporte e uma comunidade da qual fazer parte. Como minha mãe me ensinou, meu conselho é começar localmente. Veja quais organizações estão disponíveis perto de você, seja no seu circulo de amizades, em um grupo de apoio do escritório ou da escola. Você pode até pensar que o que está fazendo é pouco, mas o efeito cascata das mudanças é impressionante. As pessoas mais felizes são mais gentis, prestativas e mais abertas ao mundo que as circunda.
Você tem algum conselho para profissionais de criação e narradores em todo o mundo que sonham em tomar coragem e ouvir sua voz interior para partir em busca de seus sonhos?
Pergunte-se sempre: o que você quer fazer com esta vida única e preciosa? Se ouvir uma única resposta, você não tem escolha, não é mesmo? Aprendi que nunca existe um momento certo na vida. Só é preciso dar um salto de confiança.
Foi um prazer saber mais sobre você, Luciana. Por favor, conte aos leitores o que está vindo por aí – você tem diversos projetos a caminho!
Foi uma honra ter vivido esse momento e ter tido a oportunidade de conversar com você. Uma das consequências positivas da Internet é saber que você não está sozinha. Espero que todos os andarilhos globais e surfistas culturais como eu encontrem um porto seguro e que se inspirem neste artigo. Nossa geração parece se sentir mais confortável fisicamente exposta do que emocionalmente vulnerável e espero que possamos mudar isso juntos. Se quiser manter contato comigo e acompanhar minha jornada, siga-me no Instagram [@LucianaFaulhaberOfficial]. No meu perfil, é possível saber sobre projetos futuros, conhecer os pontos altos e baixos de se navegar pelas culturas e descobrir a história de uma menina que saiu de um país de terceiro mundo e foi para os EUA em busca de seu sonho.
E, voltando à pergunta original…
De sonhadora estrangeira a profissional global: o que é necessário para fazer essa transição?